quinta-feira, dezembro 21, 2006

Thiago na Veja Rio



Onde nascem os astros


Tonio Carvalho entre Thiago Rodrigues e Marjorie Estiano: da oficina para o horário nobre da TV

Há vinte anos, a Oficina de Atores prepara novos talentos da Globo

Uma linda morena de olhos verdes, andando num fim de tarde à beira-mar, é abordada por um rapaz que se apresenta como pesquisador de elenco da TV Globo e a convida para fazer um teste para a cobiçada oficina de atores da emissora e – quem sabe? – brilhar na novela das 21 horas. Corta. A cena acima cabe muito bem na ficção, mas não corresponde à realidade. "Isso não existe", afirma Ana Margarida Leitão, gerente de pesquisa e produção de elenco da emissora. "Essa coisa de que temos olheiros em shoppings, na praia, nos shows de rock é lenda urbana. Vamos aonde os atores estão, nas escolas de interpretação, em peças teatrais..." Se o caminho para a fama não passa por um encontro casual em qualquer canto da cidade, um dos atalhos para ele, certamente, é a oficina de atores da Globo. Criada há exatos vinte anos, ela já projetou para o sucesso estrelas como Rodrigo Santoro, Eduardo Moscovis, Murilo Benício, Giovanna Antonelli, Carolina Dieckmann, Camila Pitanga, Danielle Winits, Marcello Antony, Heloísa Perissé. A corrida por um lugar ao lado dessas celebridades no imenso banco de talentos da Rede Globo – com 10.000 nomes – é disputadíssima. Semanalmente, uma leva de jovens atores vai até a sede da emissora, no Jardim Botânico, fazer um cadastro. É só uma das formas de entrar para a oficina (veja quadro). E pode ser um passaporte para o sucesso. De preferência, que não seja efêmero. "Muitos jovens querem acontecer logo, ter resposta imediata para os seus sonhos. Confundem o labor artístico com tornar-se celebridade", diz Tonio Carvalho, diretor e autor de teatro, coordenador da oficina desde 1991. "Fazemos com que eles tomem consciência desse equívoco. Não estão aqui para virar famosos, mas para se transformar em artistas verdadeiramente. Isso requer sensibilidade, dedicação e um autoconhecimento constante."

Marjorie Estiano, de 24 anos, revelação de Páginas da Vida, já sabe disso. Depois de fazer um curso profissionalizante de teatro, em Curitiba, onde nasceu, ela descobriu que poderia se inscrever para o cadastro da Globo. Estava morando em São Paulo, disposta a investir na profissão. Bateu às portas da emissora com a cara e a coragem. Em 2003, chamada para um teste de vídeo para disputar uma vaga na oficina, tremeu nas bases. "Fiquei supernervosa", conta. Passou. Logo depois do curso, foi aprovada num teste para Malhação. Após dois anos na novelinha, recebeu um convite para viver a Marina na trama de Manoel Carlos. "A oficina é um intensivão, com informação o tempo inteiro. Queria sugar tudo o que podia." Rodrigo Santoro também. "Ela foi fundamental na minha trajetória. É um espaço sério, que permite a pesquisa e o entendimento do processo de criação", assina embaixo o ator, um ex-estudante de comunicação que um dia resolveu se inscrever para tentar uma vaga na oficina. Hoje o ator, que tem em seu currículo várias novelas na Globo, grava no Havaí sua participação na série americana Lost. Em média, são duas oficinas por ano, de quatro meses cada uma. No curso, totalmente gratuito, os alunos aprendem a se posicionar diante das câmeras e têm aulas de interpretação, voz, expressão corporal e mitologia, além de contar com o suporte psicológico do psicanalista Jairo Bouer. Isso sem falar nas palestras e nos workshops com atores e diretores consagrados. É um banho de cultura. Os mestres oferecem convites para peças, levam os pupilos a museus, indicam autores e até viajam com as turmas para festivais de teatro. Os alunos do primeiro semestre vão para o festival de Curitiba. Os do segundo, para o Porto Alegre em Cena. A paranaense de Jacarezinho Grazielli Massafera, ex-BBB, fez a oficina. Ficou encantada. "Na minha cidade não tinha muito acesso a teatro, cinema, nem a livros. Aqui, encontrei a oportunidade de aprender", diz. Aos 24 anos, descobriu, por exemplo, Nelson Rodrigues. "Virei fã."

A bela Grazi, que faz sua estréia como atriz em Páginas da Vida, chegou à oficina por seu desempenho no Big Brother Brasil, mas o caminho mais comum é o do cadastro. Quem se inscreve na emissora grava um vídeo, que fica arquivado. A fita pode despertar a atenção dos produtores de elenco. Em geral, são eles que convidam os atores para o teste da oficina. "Nossa área é de apoio e suporte aos autores e diretores", diz Ary Grandinetti, diretor de recursos artísticos. Diretores de núcleo e diretores gerais fazem parte da banca que avalia os testes para a oficina. Na turma atual, são dezesseis alunos. Entre eles, a paulistana Mayara Constantino, de 20 anos. Cabelos cacheados, olhos claros, pele alva, ela já fez comerciais para TV, participou do longa Castelo Rá-Tim-Bum quando tinha 12 anos, mas nunca estudou teatro. "Agora, quero fazer um curso", decidiu. "A oficina te estimula a aprofundar o aprendizado", explica. Os veteranos da TV também aplaudem o trabalho. O autor Manoel Carlos já escalou para suas novelas várias crias do curso. Assim como Grazi e Marjorie, há uma penca de outros exemplos. Só para citar alguns: Thiago Rodrigues, Regiane Alves e Jorge de Sá (todos na atual trama das 21 horas), além de Deborah Secco, Camila Pitanga e Giovanna Antonelli. "O talento pode existir independentemente de uma escola. Mas depois da oficina eles ganham senso de responsabilidade e satisfatória cultura geral", diz Maneco.

Conseguir uma vaga na oficina não significa escalação automática para uma das produções da Globo. Mas, sem dúvida, é uma grande chance. "Ela foi minha porta de entrada para a TV", diz Marcello Antony. O ator foi chamado para a oficina depois de fazer cadastro e deixar um videobook na Globo. "Dei a sorte de um grande diretor ver o vídeo de uma cena que fiz numa das aulas e fui chamado para o teste de uma novela", conta. Sua estréia aconteceu em O Rei do Gado, em 1996, dois anos depois de concluir a oficina. O salto para o sucesso pode ser muito mais rápido. Sua colega de turma Letícia Spiller fez apenas dois meses de oficina e foi chamada para o papel de Babalu em Quatro por Quatro. A ex-paquita explodiu no vídeo como a sensualíssima manicure. Carolina Dieckmann largou o curso ainda mais cedo para brilhar na telinha. Tinha 14 anos e apenas duas semanas de aula quando foi chamada para a minissérie Sex Appeal. Tem gente que, aprovada para a oficina, nem chega a cursá-la antes de estrear. É o caso de Isabel Fillardis, cujo teste valeu um papel na novela Renascer, como Ritinha. Engrenou uma novela na outra. Atuou em Pátria Minha, em A Próxima Vítima e só depois foi fazer a oficina, para se aprimorar. "O ator tem de estar sempre se exercitando", diz.

Tonio Carvalho não só concorda como aconselha: "É fundamental fazer outros cursos e estudar teatro, mesmo depois da oficina. Esse ofício demanda estudo até o fim da vida". Tonio lamenta que alguns alunos cheguem mal preparados e iludidos por escolas de seriedade questionável. "Montam por aí cursos apenas para ganhar uns trocadinhos, prometendo fama. A destruição dos sonhos das pessoas é uma coisa grave, cruel." Na oficina da Globo eles orientam os alunos sobre as melhores escolas de formação de atores. Há casos em que, logo no primeiro mês, o jovem é aconselhado a largar o curso para voltar quando estiver mais bem preparado. É uma forma delicada de dizer que seu desempenho é abaixo do esperado. "Se o aluno aprovado relaxar e nós percebermos que não é aquilo que ele realmente quer, ele é cortado", diz Ary. "Por livre e espontânea vontade nossa", brinca.

Chegar até o fim da oficina não é garantia de nada. "Várias pessoas da minha turma nunca tiveram uma chance na TV", diz Vanessa Lóes, que fez o curso em 1994. A chance de ganhar um papel pode demorar. Heloísa Perissé, que hoje tem um programa semanal ao lado de Ingrid Guimarães – o Sob Nova Direção –, esperou cinco anos por uma vaga num dos humorísticos da Globo. Fez a oficina em 1991 e só em 1996 entrou para o Chico Total. Samara Felippo passou para a oficina no terceiro teste. "Fiz o primeiro num impulso, sem nenhuma experiência", conta. "Resolvi estudar teatro até conseguir. Da oficina, levo para sempre três ensinamentos: disciplina, humildade e perseverança." Pinçada de comerciais para o cadastro da Globo, Regiane Alves esteve dos dois lados do curso. Foi aluna e, mais tarde, convidada para dar uma palestra, na qual contou sua trajetória aos novatos. "Dei um depoimento sobre a importância de não se deslumbrar com o sucesso", diz a atriz, que, na época, curtia os louros da fama vivendo uma de suas personagens mais elogiadas, a Dóris, de Mulheres Apaixonadas. Por coincidência, na turma estava Thiago Rodrigues, 26 anos, que hoje contracena com Regiane em Páginas da Vida. Thiago fez curso de teatro na Casa de Artes de Laranjeiras (CAL), inscreveu-se na Globo e chegou à oficina, há três anos, depois de dois testes, sem nenhuma experiência na TV. Fez um ano de Malhação antes de ser alçado ao horário nobre. "A oficina te faz amadurecer, crescer." Nem todos os atores, mesmo muito jovens, passam pela oficina. É o caso de gente que já estreou brilhando na telinha, como Leandra Leal e Letícia Sabatella. Mas há exemplos também de atuações desastrosas. Quem não se lembra do cigano Igor, de Explode Coração, interpretado pelo estreante Ricardo Macchi. O modelo, hoje, reclama de ter sido escalado como protagonista sem receber atenção especial no início da carreira. "Só tive um coach a partir do capítulo 80. Até hoje tento recuperar minha auto-estima de ator", queixa-se. Equívocos acontecem. Mas o fim desse enredo talvez fosse diferente se o novato tivesse passado pela peneira da rigorosa oficina da Globo.

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